MATERIA DA REVISTA VEJA, 12 ANOS ATRAS
O SUPERVELHINHO
Sr. Tuplet Vasconcellos com 72 anos
Por Maurício Cardoso
Aos 85 anos de idade, Tuplet Vasconcelos corre uma maratona atrás da outra e esbanja saúde
Nome: Tuplet Seabra de VasconcelosIdade: 85 anos
Maratonas disputadas: 114
Tempo na maratona: 5h45min
Corrida mais longa: 100 km em 14 horas *
* Quando tinha 72 anos
Tuplet Seabra de Vasconcelos passou a manhã do domingo 23 correndo pelas ruas de São Paulo. Tuplet, um dos 5.232 corredores que completaram a Maratona Internacional de São Paulo, cumpriu a prova em 5h45min, deixando para trás quase 200 competidores. Por seu feito ganhou um troféu no qual estava descrita sua façanha: "2º lugar – Categoria 85 anos". Um equívoco. Tuplet foi o primeiro e único de sua classe. Mas o engano não o ofuscou. Todos os 74 troféus distribuídos na corrida, inclusive os dois oferecidos aos campeões gerais, o queniano Paul Yego e a catarinense Márcia Narloch, levavam o seu nome: Troféu Tuplet Seabra de Vasconcelos.
Uma justa homenagem. Tuplet, um dos mais velhos corredores de rua do país, é um fenômeno de esportividade e de saúde. Espécie de Tarzã da terceira idade, ele começou a correr quando tinha 69 anos e não parou mais. Desde então, concluiu 114 maratonas (olhe lá: a maratona tem 42.195 metros), além de uma ultramaratona de 100 quilômetros e outra de 50. Todo fim de semana viaja para algum lugar do Brasil ou do exterior para participar de corridas. Durante a semana sua rotina inclui pelo menos quatro sessões de 30 quilômetros de trote. Só não corre mais porque há dois anos aderiu à natação e reserva dois dias da semana para a piscina.
"Você não acredita, mas eu sou famoso, muito famoso", dizia ele à vendedora de uma loja do Shopping Eldorado, em São Paulo, onde na última terça-feira foi comprar uma mala para sua próxima viagem. Em julho vai à Inglaterra disputar o Campeonato Mundial de Atletismo de Veteranos. Correrá em seis provas para defender seus títulos. "Eu sou tricampeão do mundo", diz ele diante da vendedora boquiaberta como se estivesse na presença de um contemporâneo envelhecido de Pelé, Tostão ou Gérson. Tuplet não é tão famoso quanto ele próprio imagina, mas é autor de mais feitos portentosos do que sua silhueta seca e meio encurvada faz supor.
Participou e ganhou campeonatos mundiais de veteranos no Japão, África do Sul e Estados Unidos. Pentacampeão sul-americano, faturou oito medalhas de ouro de uma só vez, correndo distâncias de 200 metros rasos até a maratona. "Eu devia estar no livro", reclama ele, referindo-se ao Guinness dos Recordes.
"Só temos de lamentar que Tuplet não tenha sido descoberto ainda jovem. Com seu talento, teria sido um grande campeão", diz Henrique Viana, médico de esportes e o treinador de maratonistas que revelou o recordista mundial Ronaldo da Costa. Até os 69 anos de idade, Tuplet nunca tinha chutado uma bola ou praticado qualquer modalidade esportiva. Filho de pai português e mãe francesa, foi criado numa fazenda na zona rural de Campos, no Estado do Rio de Janeiro. "Passei a infância correndo atrás de vacas e cabritos. Mas esporte mesmo não fazia nenhum", conta.
O encontro com o esporte foi tardio e casual. Os organizadores da corrida Cordeiro–Cantagalo, entre as duas cidades do norte fluminense, precisavam de um idoso para simular um largada e uma chegada. O percurso de 10 quilômetros seria feito de carro. Tuplet, então com 69 anos, se apresentou mas exigiu correr todo o trajeto. De calça comprida e sapato social, cumpriu o prometido e subiu ao pódio para uma homenagem. "Fiquei tão entusiasmado quando colocaram uma medalhinha de prata no meu pescoço que perdi a voz." E encontrou uma profissão: corredor. Ganhou um uniforme e um par de tênis do prefeito de Cantagalo para representar a cidade na São Silvestre em São Paulo. Em seguida resolveu correr a Ultramaratona Internacional de Uberaba. "Se tem gente que corre 100 quilômetros, eu também corro", disse. Fez então o único exame médico de que se lembra. Mas não sabe o resultado, e o médico que o examinou já morreu.
Um fenômeno da natureza, Tuplet é um exemplo a não ser imitado. Os especialistas aconselham as pessoas com mais de 40 anos a passar por uma avaliação médica antes de iniciar qualquer programa de atividade física, a fim de evitar o risco de um ataque cardíaco súbito. Tuplet, que perdeu os dois filhos antes que completassem 45 anos, vítimas de complicações circulatórias, não teme o perigo. "Termino as corridas sem dor nenhuma, só tomo uma pastilha de vitamina C e não pego nem gripe", afirma. Logo que começou a aparecer nas corridas, o treinador de atletismo do Vasco da Gama, do Rio, se ofereceu para orientá-lo. "Dispensei-o, porque ele queria que eu só corresse uma maratona a cada quatro meses", conta Tuplet, que chegou a fazer catorze corridas de 42 quilômetros num ano, uma heresia para os manuais de medicina esportiva. "O atleta que exagera nas competições sofre microlesões que acabam por danificar seriamente sua musculatura", atesta Viana. "Nunca tive uma distensão", rebate Tuplet.
A dieta do supervelhinho é radical. Toma uma colher de mel ao se levantar e, depois do treino diário, ingere um coquetel de aveia, leite, gema de ovo e inhame. Só bebe leite de curral – "daquele que dá disenteria em quem não está acostumado" – e alimenta-se com frutas, legumes, raízes, verduras e massas. Não fuma, nunca bebeu e há quinze anos deixou de comer arroz, feijão e carne. Antes de começar a carreira pesava 70 quilos, já perfeitos para seu 1,70 metro. Hoje pesa 54. "A carne é uma fonte insubstituível de certos nutrientes, como ferro e magnésio", corrige Viana. Com dois patrocinadores fixos e vários eventuais, entre cachês e prêmios chega a ganhar 3.000 reais por mês. Feliz, gosta de escrever poesias e fazer música. Correndo, garante que até o desempenho sexual mudou. "Não vou dizer que nunca falhei, mas depois que comecei a correr fui melhorando, melhorando, melhorando..."
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