SOBRE OLIMPÍADAS E INCLUSÃO
Olimpíadas têm dois lados. O lado bom é ver tanta gente reunida num só lugar podendo se expressar em termos do esporte. O outro lado é reconhecer que os jogos olímpicos deixaram de ser apenas superação. Esse evento tornou-se produto, mero negócio, passível de marketing e aufere lucros de muitos bilhões de dólares a corporações e outros milhares de profissionais altamente competentes, fiéis seguidores da lógica do "sistema".
Esse produto enseja desdobramentos no mercado que seduzem a todo o planeta e chamam a atenção para a face cruel do capitalismo: a manipulação sofisticada, com o apoio da informática e da mídia. Partindo da ausência da criança cuja voz deu corpo à canção na abertura dos jogos olímpicos, que foi trocada por uma "mais bonita" e "apresentável", até chegar à constatação de que grande parte do show pirotécnico da abertura foi produto da manipulação virtual, é notável o grau manipulativo em nível planetário, que visa apenas iludir em nível mundial. Aqui fica bastante claro o quanto o capitalismo valoriza o visual e a "fachada", em detrimento do que é, de modo peculiar, simplesmente humano.
Nesse sentido o capitalismo bate de frente com as idéias inclusivas, absolutamente necessárias ao fortalecimento e ao reconhecimento dos direitos humanos e da dignidade da pessoa. Tanto é assim que foi preciso criar uma segunda olimpíada – a paraolimpíada – para que a face cruel do capitalismo pareça condescendente para com os "diferentes". Se fosse inclusiva a Olimpíada não precisaria de uma outra para acolher as diferenças. Todos caberiam numa Olimpíada apenas, não houvesse tantos interesses financeiros e egóicos.
Seguimos, infelizmente, ao final desses jogos olímpicos, remoendo o triste slogan de que "o importante é competir". Importante mesmo, em termos inclusivos, é cooperar. Ao lado da competição muitos oprimidos tentaram mas não tiveram como se expressar, tal é a força do controle capitalista. A grande mídia tenta explicar esse lado mesquinho do capitalismo como sendo uma chaga apenas da China, fazendo alusão ao "diferente" regime político vigente naquele país.
Acontece que somos todos, chineses ou não, iludidos e manipulados por um sistema onde o que prevalece é o esteticamente padronizado e o "vencedor". E, infelizmente, por essa lógica cruel, para que haja um vencedor, é preciso que existam muitos perdedores. Isso não cabe na cooperação inclusiva, que acolhe as diferenças e as valoriza, ao invés de trocá-las por uma "mais bonita" como acaba de acontecer em Pequim. Seremos de fato obrigados a aplaudir (e conviver) tamanha mesquinharia?
Quando teremos a chance de vivenciar Olimpíadas inclusivas, onde todos participem, sem a preocupação de ser o "vencedor", o "mais forte", o "mais belo"? Por que a humanidade só consegue se confraternizar em meio à competição? Quando seremos capazes da união cooperativa real? Rubem Alves descreve em uma de suas crônicas (Tênis e Frescobol. In: O Retorno e Terno, Ed. Papirus, 1992. 175p.) o que, para mim é a diferença entre cooperação e competição. Nessa crônica (que discorre sobre relacionamentos) ele lembra que no jogo de tênis o jogador faz grande esforço para que o outro erre e haja um vencedor apenas. No frescobol acontece justamente o contrário: você faz grande esforço para que o outro acerte e o jogo prossiga indefinidamente, sem a preocupação de existir um ganhador e, consequentemente, um perdedor.
De bem com minha esperança gostaria de propor Olimpíadas inclusivas, onde todos possam cooperar e desfrutar da alegria de jogar apenas, jogar simplesmente, sem a preocupação do ganhar, do ser o melhor, do ser o mais poderoso, o mais lindo, o mais isso, o mais aquilo. Será que em meio a tanta tecnologia e sofisticação, seremos capazes de criar inclusivamente alguma coisa que confraternize apenas, jogue apenas, e acolha de fato os diferentes como um meio de enriquecer a todos os povos? Deixar de lado milésimos de segundos e milímetros traria aos Jogos um perfil mais humano e mais cooperativo. Deixar de marcar pontos é fazer com que todos sejam livres em sua humanidade. Parafraseando Rubem Alves, ninguém ganha para que todos ganhem.
Marinês Martini Teixeira
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