O RISCO DA BALANÇA
Cirurgias de redução de estômago se popularizam e já são feitas até em quem sofre de obesidade moderada.
Isso é bom?
No dia 4 de
junho, a psicanalista carioca Suzana Katz, de 45 anos, internou-se no
Hospital Copa D'Or, no Rio de Janeiro, para realizar um desejo de anos.
Queria livrar-se, através de uma cirurgia para redução de estômago, dos
muitos quilos jamais eliminados com dietas e remédios. Logo após a
cirurgia, teve uma complicação: vazamento de líquido da região cortada.
Teve alta, mas voltou ao hospital quatro dias depois. Vítima de uma
forte infecção, entrou em coma e passou dois meses na UTI. Morreu no
sábado 10 de agosto. Casos como o de Suzana não são comuns.
O índice de
mortalidade desse tipo de cirurgia, a de bypass, é de 1% - menor, por
exemplo, que o de 3% em cirurgias cardíacas. Assim como a psicanalista
carioca, centenas de brasileiros estão abrindo mão de parte do estômago
para emagrecer. Para muitos, é a única saída. E uma legião crescente vem
adotando a alternativa rápida - e às vezes perigosa - para moldar a
silhueta. 'As pessoas só devem optar pela operação quando sofrem de
obesidade mórbida e sua vida está em risco', afirma Arthur Garrido
Júnior, professor da Universidade de São Paulo e presidente da Sociedade
Brasileira de Cirurgia Bariátrica. 'Infelizmente, como em qualquer
profissão, na nossa também há quem não siga as normas'.
A operação é
indicada principalmente para pessoas com índice de massa corpórea (IMC)
acima de 40. O IMC é o resultado da divisão do peso pela altura elevada
ao quadrado. Também pode ser prescrita para quem tem IMC entre 35 e 40,
além de alguma doença associada à obesidade, como apnéia do sono,
hipertensão e diabetes. A psicanalista Suzana media 1,62 metro e pesava
90 quilos. Sofria de diabetes e hipertensão, mas seu índice era 34. Em
tese, no caso dela, seria aconselhável insistir em outros tipos de
tratamento. O cirurgião responsável, o pernambucano Carlos Saboya,
integra o time de 100 membros titulares da Sociedade Brasileira de
Cirurgia Bariátrica. 'A Sociedade não pode se responsabilizar por
ninguém, mas ele é um profissional experiente', diz Garrido, que, junto
com sua equipe, já fez 4 mil operações do gênero - 16 delas fatais.
A obesidade é um problema sério e,
a cada ano, eleva-se o número de obesos mórbidos, aqueles com 45 quilos
ou mais acima do ideal. Nos anos 90, o contingente era de 500 mil.
Hoje, estima-se que esteja chegando a 2 milhões, quase 1% da população. É
gente que não consegue passar na roleta do ônibus, sentar-se na cadeira
do cinema e, o mais importante, tem a expectativa de vida reduzida para
a faixa dos 40 anos. A chance de sofrer de hipertensão ou diabetes é
três vezes maior nesse grupo. Cerca de 40% dos homens são vítimas de
infarto. 'A obesidade mórbida é um câncer do tecido adiposo', radicaliza
Amélio de Godoy, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e
Metabologia. 'A cirurgia é uma maneira mais eficiente de combatê-la. As
consequências da obesidade são maiores que o risco da operação'.
Nos últimos anos,
as cirurgias de redução de estômago se popularizaram numa velocidade
impressionante no país. Entre 1978 e 1993, foram realizadas apenas 15
cirurgias. Em 1999, o número chegou a 900 por ano e, em 2001, a 3 mil.
Isso se deve em boa parte ao fato de o SUS ter começado a cobrir os
custos. A demanda é tamanha que, no Hospital das Clínicas de São Paulo, a
lista de espera tem 2 mil nomes. No Hospital da Universidade de
Campinas, chega a 1.000. São pessoas que, comprovadamente, vão ter a
expectativa de vida aumentada com esse método. Mas há outro motivo para o
avanço. 'Quem está gordo quer soluções mágicas', comenta o
endocrinologista mineiro Saulo Cavalcanti, professor titular da
Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais. 'Toda semana,recebo
pessoas no consultório pedindo para ser operadas, sem precisar disso. Eu
me recuso, mas muitas vão bater em outras portas e acabam encontrando
os inescrupulosos da vida'.
Além de ser obeso
mórbido, o aspirante à cirurgia deve fazer testes psicológicos. O
motivo é simples: nem todo mundo conseguirá passar o resto de seus dias
comendo como um passarinho. Algumas técnicas, como o bypass, reduzem o
tamanho do estômago em até 90%, seccionando uma grande porção dele. A
preferida dos glutões é a da 'banda gástrica', que diminui as dimensões
do órgão com o uso de um anel reajustável. O paciente pode recorrer ao
afrouxamento do anel caso não consiga viver sem os prazeres da mesa. O
universitário fluminense Delvan Viana, de 21 anos, submeteu-se ao bypass
depois de ter sofrido um infarto com apenas 20 anos. Em pouco mais de
um ano, perdeu 101 dos seus 195 quilos. Antes de entrar na faca, Delvan
dedicou-se a um mês de despedida. 'Eu e dois amigos fomos expulsos de
uma churrascaria depois de devorarmos 10 quilos de carne', lembra, com
água na boca. Atualmente, é obrigado a fazer seis refeições diárias -
porque só suporta comer em pequenas quantidades. No almoço, a maior
refeição do dia, ele se deleita com um pouquinho de feijão e arroz,
acompanhados de grelhado e salada, mas a auto-estima está muito bem
alimentada. 'Valeu a pena. Antes, ninguém queria o Delvan. Agora, o
Delvan pode escolher quem ele quer', brinca o moço, certo que estará
abraçando uma bela namorada em breve.
Nos Estados
Unidos, país que experimenta tanto um aumento do número de obesos como
um enaltecimento da vaidade, as cirurgias do gênero mais que dobraram em
quatro anos. Foram 47.200 em 2001 e, neste ano, devem ultrapassar a
casa dos 60 mil. No Brasil, apesar de serem procedimentos caros - de R$ 5
mil a R$ 15 mil, dependendo da técnica -, são eficientes, levando à
redução de 10% a 50% do peso.
Um estudo do
cirurgião José Afonso Sallet mostra que 37% dos pacientes que recorrem a
outra técnica, a do balão intragástrico no estômago, têm IMC menor que
35. De risco mínimo, esse procedimento não é exatamente cirúrgico. Por
um processo endoscópico, coloca-se um balão no órgão para ocupar o
espaço da comida. Ele tem de ser retirado entre quatro e seis meses. No
começo, era indicado apenas para quem precisava perder alguns quilos
antes da cirurgia propriamente dita. 'O balão está sendo usado para fins
cosméticos', critica a gastrocirurgiã Luciana El-Kadre. A gaúcha Vera
Ritcher, de 47 anos, que aos 19 conquistou o segundo lugar no concurso
de Miss Porto Alegre, não se conformou com os 20 quilos ganhos nos
últimos dois anos. Com 1,64 metro, chegou a 86 quilos. Depois de cinco
meses com o balão, já perdeu 22 e está satisfeita. 'Tomei nojo de sopa',
conta. 'Passei 45 dias numa dieta líquida com iogurte, gelatina, chá e
sopa'.
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